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Da Redação
A Câmara dos Deputados não deve incluir o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 46/2021 na pauta da próxima semana. Apesar do apelo do governo federal pela celeridade na aprovação da matéria, a tendência é de que a proposta nem seja discutida pelos deputados em reunião do colégio de líderes, marcada para a próxima segunda-feira, 09.
Apelidada de “Refis da Covid”, a proposta é pleito dos parlamentares governistas e tida como aposta do Planalto para injetar ânimo e dar fôlego à recuperação econômica do país no período pós-pandemia. Isso porque o PLP estabelece condições e critérios para renegociação de dívidas de micro e pequenas empresas com a União.
De autoria do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a matéria foi aprovada, na forma de substitutivo, na quinta-feira, 05, pelo Senado. No entanto, para ser sancionada, precisa ser aprovada na Câmara.
O texto aprovado por senadores e encaminhado à Câmara é um substitutivo apresentado pelo líder do governo no Senado, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE).
O projeto prevê a reabertura do Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp), de 2017, e é válido para empresas do Simples Nacional, inclusive as que estiverem em recuperação judicial.
A aprovação unânime do PLP foi bastante comemorada pelos senadores e por empresários diretamente impactados pela crise econômica como resultado da pandemia do novo coronavírus. A medida é tida como “fundamental” para a recuperação da economia.
O otimismo do setor com a matéria ocorre, principalmente, em função das condições previstas no substitutivo. De acordo com o texto aprovado, os empresários mais impactados terão melhores condições para quitar as dívidas geradas entre 2019 e 2020, exclusivamente.
Entenda o caminho percorrido pela lei e suas alterações.
A lei 11.101/05, que regula a Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falências, foi um avanço muito significativo em relação à sistemática anterior, quando o antigo DL 7.661/45 tratava das Falências e Concordatas.
A LRF inseriu o Brasil entre os países que adotaram legislações falimentares mais modernas que permitem maior participação dos credores tanto na tentativa de recuperar empresas em crise como no âmbito falimentar.
O processo legislativo que culminou com a promulgação da lei de 2005 foi longo com discussões se iniciaram em 1991, sendo que o projeto de lei tramitou por quase quatorze anos no Congresso Nacional. Somente em 9 de fevereiro de 2005 foi publicada da lei 11.101/05.
Atualizações na lei
Após mais de quinze anos de vigência, a LRF já começava a dar sinais de que alguns pontos necessitavam de atualizações. Segundo Eduardo Foz Mange, especialista em Direito Empresarial, dessa vez o processo legislativo foi mais célere “As discussões para a reforma da LRF se iniciaram com um projeto de lei apresentado em 2018 pelo Governo de Michael Temer, por iniciativa do então ministro da Fazenda Henrique Meirelles, o PL 10.220/18”, explica.
Esse projeto apresentava diversos problemas, sendo que o principal deles era o aumento de poder do fisco de forma exacerbada. De qualquer forma, esse projeto teve o mérito de iniciar as discussões em torno da modernização da lei 11.101/05.
O especialista explica que diversas entidades da sociedade civil se uniram para apresentar uma alternativa viável ao PL 10.220/2018. Inicialmente, foi criado um grupo de consenso composto por profissionais indicados por essas entidades altamente especializadas no tema. Posteriormente, esse Grupo de Consenso se auto denominou Grupo Permanente para o Aprimoramento da Insolvência - GPAI.
Essa forma de atuação da sociedade civil organizada se mostrou muito profícua. Assim, as discussões sobre as alterações na LRF eram realizadas inicialmente no âmbito desse grupo. Apenas o que era, de fato, consenso era encaminhado aos Deputados e Senadores. Isso permitiu que todas essas entidades remassem para o mesmo lado, no intuito de contribuir com o aprimoramento da legislação. Dessa maneira, as contribuições do Grupo já chegavam aos deputados com maior peso, pois eram subscritas pelas importantes entidades que o compunham.
O Deputado Hugo Leal, que foi o relator na Câmara, incorporou ao projeto diversos pontos levantados por esse Grupo no substitutivo que apresentou no final de 2019. O projeto tramitou sob número 6.229/05 na Câmara dos Deputados, pois os projetos mais novos, incluindo o substitutivo, foram todos apensados ao referido PL, que era o mais antigo.
Eduardo pontua que os resultados não teriam sido tão positivos se cada entidade tivesse atuado de forma isolada, muitas vezes com prioridades diferentes e, até mesmo, com pontos de vista opostos sobre determinados temas.
Efetivamente, a experiência nesse processo legislativo, mostrou que a atuação da sociedade civil de forma mais organizada foi de extrema importância para o aprimoramento da legislação.
Nesse clima de cooperação entre essas entidades e o Poder Legislativo, em 26/08/20, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal.
Tramitação no Senado
No Senado, o projeto recebeu o número 4458/20, tendo sido designado relator o Senador Rodrigo Pacheco.
O mesmo Grupo continuou atuando de forma coesa, sendo que Senado Federal aprovou o projeto em 25/11/20. Em 24 de dezembro de 2020 houve a sanção presidencial da Lei 14.112, com quatorze pontos vetados, entretanto.
Já no início de 2021, o Grupo elaborou Nota Técnica expondo motivos e pleiteando a derrubada dos vetos presidenciais. Finalmente, em 17 de março de 2021, doze, dos quatorze vetos presidenciais foram derrubados pelo Congresso Nacional.
Pode-se dizer que esse processo legislativo que alterou a lei 11.101/05, foi relativamente rápido, pois as discussões se iniciaram em 2018 e, no final de 2020 foi promulgada a lei 14.112/20.
Essa lei alterou a LRF, com o intuito de atualizar e modernizar a legislação falimentar brasileira. Alguns pontos também foram alterados para refletir a jurisprudência que já vinha sendo praticada por nossos tribunais.
Entre as alterações, podemos destacar algumas das mais relevantes.
I. Recuperação Judicial:
Regras mais claras para o período de suspensão das ações, stay period (art. 6º, inciso III);
Possibilidade de prorrogação do período de suspensão das ações por mais 180 dias (art. 6º, § 4º);
Novas regras para Recuperação Judicial dos Grupos Econômicos, estabelecendo critérios para consolidação processual e substancial (art. 69-G e 69-J);
Possibilidade de apresentação de Plano de Recuperação Judicial pelos credores em determinadas possibilidades (56, §6º);
Pagamento dos credores trabalhistas em prazo superior a um ano desde que o devedor apresente garantias (art. 54, § 2º);
Definição de voto abusivo, somente se for exercido para obter vantagem para si ou para outrem (art. 39, § 6º);
Melhor definição do conceito de Unidade Produtiva Isolada (UPI), com possibilidade de venda integral da empresa (art. 50, inc. XVIII);
Possibilidade de constatação prévia, exclusivamente para verificação das condições de funcionamento da devedora e regularidade da documentação (art. 51-A);
Regras para a concessão de novos financiamentos (art. 69-A a 69-F);
II. Administrador Judicial:
Novas atribuições ao Administrador Judicial como fiscalizar a veracidade das informações prestadas pelo devedor (art. 22, inc. II, 'c' e 'h'), estimular a mediação e conciliação (art. 22, inc. I, 'j'), assegurar boa-fé nas negociações entre devedor e credores (art. 22, inc. II, 'g');
Após a decretação da falência apresentar, em 60 dias, plano para realização dos ativos (art. 99, § 3º);
Realizar a venda de todos os bens da massa falida no prazo máximo de 180 dias (art. 22, inc. III, 'j');
III. Recuperação Extrajudicial
Redução do quórum de aprovação de 60% para 50% (art. 163, caput);
Possibilidade de stay period da Recuperação Extrajudicial (art. 163, § 8º);
Possibilidade de inclusão do passivo trabalhista, mediante acordo coletivo (art. 161, § 1º);
Possibilidade de ajuizar da Recuperação Extrajudicial com adesão de credores que representem 1/3 dos créditos abrangidos, com prazo de 90 dias para atingir o percentual de 50% (art. 163, § 7º); e
Possibilidade de conversão da Recuperação Extrajudicial em Judicial (art. 163, § 7º);
IV. Recuperação Judicial do Produtor Rural
Recuperação Judicial do Produtor Rural sujeita os créditos decorrentes da atividade rural, desde regularmente contabilizados (art. 49, § 6º);
Não se sujeitam dívidas contraída nos três anos anteriores, desde que tenham sido contraídas com a finalidade de aquisição de propriedade rural (art. 49, § 9º);
V. Incentivo a Conciliação e Mediação
Possibilidade de conciliação e mediação antecedentes ou incidentais ao pedido de recuperação judicial, com suspensão das ações e execuções por até sessenta dias (art. 20-B, inc. IV, § 1º e art. 20-C);
Conciliação e mediação devem ser incentivadas em qualquer grau de jurisdição (art. 20-A).
VI. Tratamento do Passivo Fiscal
Possibilidade de transação e parcelamento em condições mais vantajosas (art. 10-A da lei 10.522/02);
Parcelamento em até 120 meses (art. 10-A, inc. V da lei 10.522/02);
Possibilidade de o fisco requerer a falência na hipótese de descumprimento de 6 parcelas consecutivas ou 9 parcelas alternadas (art. 10-A, §4º, inc. I da lei 10.522/02);
Liquidação de até 30% com créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL e o restante em 84 parcelas (art. 10-A, inc. VI da lei 10.552/02);
Ganho com a redução da dívida não será mais computado na base de cálculo de PIS-PASEP e COFINS (art. 50-A, inc. I);
Não se sujeita ao limite de 30% na apuração do imposto de renda e da CSLL (art. 50-A); e não se aplica o limite de 30% na apuração do imposto de renda e CSLL sobre a parcela do lucro líquido, decorrente do ganho de capital da alienação de bem ou direitos (art. 6-B).
VII. Falência
Vedação da extensão dos efeitos da falência, mas admitida a desconsideração da personalidade jurídica (art. 82-A);
Melhor definição da ordem de pagamento (arts. 83 e 84);
Encerramento sumário na hipótese de falência sem bens (art. 114-A);
Redução do prazo e antecipação do termo inicial para extinção das obrigações do falido (fresh start), nas seguintes hipóteses: i) com o pagamento de 25% dos créditos quirografários (art. 158, inc. II); ou ii) com o decurso do prazo de três anos, contados da decretação da falência (art. 158, inc.
V); ou iii) com o encerramento da falência (art. 158, inc. VI).
“De modo geral, podemos concluir que a lei 14.112/20 alterou a Lei de Recuperações Judiciais e Falências positivamente, fruto de trabalho conjunto da sociedade civil organizada e do Poder Legislativo. Portanto, a lição que fica desse processo legislativo é no sentido de que a sociedade civil, quando consegue se organizar de forma coesa, pode e deve contribuir com o aprimoramento da legislação, o que também é uma forma de exercício de cidadania” finaliza o especialista.
Fonte: Eduardo Foz Mange, especialista em Direito Empresarial
Publicado por IZABELLA MIRANDA - Jornalista
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A medida ainda poderá ser alterada por meio de destaques
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (10), por 304 votos a 133, o texto-base da Medida Provisória 1045/21, que renova o programa de redução ou suspensão de salários e jornada de trabalho com o pagamento de um benefício emergencial aos trabalhadores. As regras valem para quem tem carteira assinada e para os contratos de aprendizagem e de jornada parcial.
Os destaques apresentados pelos partidos podem ser analisados nesta quarta-feira. Esses destaques pretendem alterar pontos do texto do relator, deputado Christino Aureo (PP-RJ), que incluiu vários outros temas na MP. Foram incluídos, por exemplo, programas de primeiro emprego e de requalificação profissional, mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e definição de quem pode contar com gratuidade no acesso à Justiça.
Segundo a MP, o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda garantirá o pagamento de uma parte do seguro-desemprego ao trabalhador que tiver o contrato suspenso ou o salário e a jornada reduzidos em razão da pandemia de Covid-19. Inicialmente, as regras valem por 120 dias contados da edição da MP (28 de abril) e poderão ser prorrogadas pelo Poder Executivo apenas para as gestantes.
O valor a receber dependerá de quanto for a redução. Se o acordo entre empregador e empregado for individual, sem participação do sindicato, a redução poderá ser somente de 25%, 50% ou 70%, tanto do salário quanto da jornada de trabalho.
Gestantes
A MP 1045/21 acrescenta também regras específicas para a concessão do benefício a gestantes, inclusive a empregada doméstica.
Quando a gestante entrar em licença-maternidade, o empregador deverá informar o fato ao Ministério da Economia, suspender as regras do programa de redução ou suspensão salarial e de jornada e pagar o salário com base no que ela recebia antes de entrar no programa. As regras preveem o pagamento pelo empregador e o desconto do valor do INSS a recolher dos demais empregados da folha de pagamento.
Isso se aplica ainda ao segurado ou à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção, observados os prazos de recebimento conforme a idade.
No caso da gestante, a garantia provisória contra demissão contará depois daquela prevista na Constituição, que é do momento da confirmação da gravidez e até cinco meses após o parto.
Justiça gratuita
Um dos temas incluídos na MP por Christino Aureo é a limitação do acesso à Justiça gratuita apenas para aqueles que tenham renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal de até três salários mínimos.
Se o texto virar lei, a declaração da pessoa não bastará, devendo o interessado provar essa condição por meio de comprovante de habilitação no CadÚnico do governo federal para programas sociais.
Caso ele perca a causa, deverá pagar os honorários do advogado da parte vencedora se tiver obtido créditos suficientes ao vencer outra causa dentro de cinco anos.
Nesse mesmo prazo, a parte vencedora poderá demonstrar que a pessoa deixou de se enquadrar como beneficiário da Justiça gratuita e executar a dívida dos honorários de seu advogado. Depois dos cinco anos, a dívida será considerada extinta.
Mineiros
Sobre a jornada dos mineiros, Aureo propõe que ela possa ser de até 180 horas mensais. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê carga de 36 horas semanais, que dariam 144 horas mensais.
Além disso, o texto permite ao empregador impor jornadas de até 12 horas por dia, contanto que a média continue em 36 horas semanais.
Quanto ao intervalo de repouso, atualmente de 15 minutos obrigatórios a cada período de três horas consecutivas de trabalho, passa a poder ser negociado com a regra da reforma trabalhista segundo a qual o acordo coletivo prevalece sobre a lei.
Primeiro emprego
O texto-base do relator também cria o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), direcionado a jovens entre 18 e 29 anos, no caso de primeiro emprego com registro em carteira, e a pessoas com mais de 55 anos sem vínculo formal há mais de 12 meses.
Esse programa é semelhante ao Carteira Verde e Amarela, proposto com a MP 905/20, que perdeu a vigência sem ser votada. A remuneração máxima será de até dois salários mínimos, e o empregador poderá compensar com o repasse devido ao Sistema S até o valor correspondente a 11 horas de trabalho semanais por trabalhador com base no valor horário do salário mínimo.
No total, a empresa poderá descontar até 15% das contribuições devidas ao sistema de aprendizagem (Sesi, Senai, Senac e outros). Esse percentual vale para o bônus desse programa e também do programa de requalificação (Requip).
Segundo o texto, o governo poderá usar recursos do orçamento, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza para restituir os valores ao Sistema S.
Requip
Christino Aureo propõe ainda um regime especial de trabalho, qualificação e inclusão produtiva, chamado de Requip.
Destinado a quem está sem registro em carteira de trabalho há mais de dois anos, a jovens de 18 a 29 anos e beneficiários do Bolsa Família com renda mensal familiar de até dois salários mínimos, o programa prevê o pagamento de bônus pelo trabalho em jornadas semanais de até 22 horas (BIP) e de uma bolsa por participação em cursos de qualificação de 180 horas ao ano (BIQ).
Da mesma forma que no Priore, o Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) poderá ser compensado pelo empregador com os valores devidos ao Sistema S, limitado a 11 horas semanais com base no valor horário do salário mínimo (R$ 5,00). No mês, o BIP máximo a compensar seria de R$ 225,00 (44 horas vezes R$ 5,00 por hora).
Essa relação de trabalho/qualificação não será considerada para qualquer fim trabalhista, previdenciário ou fiscal, assim o beneficiário não contará com qualquer direito trabalhista porque o bônus e a bolsa são considerados indenização. Sobre esses valores não haverá descontos para o INSS ou de Imposto de Renda.
Além de considerar a relação como não trabalhista, a MP permite ao ofertante da vaga de inclusão produtiva descontar o BIQ da base de cálculo do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as empresas tributadas pelo lucro real.
O Requip não proíbe, entretanto, que o trabalhador tenha um vínculo de emprego com outra empresa ou preste serviços como autônomo.
Municípios
Para funcionar por meio de convênios com os municípios, o texto do relator da MP cria o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário.
Também sem qualquer vínculo trabalhista, o programa será destinado a jovens de 18 a 29 anos e a pessoas com mais de 50 anos, com duração de 18 meses em atividades de interesse público dos municípios.
Da mesma forma que os outros programas, o selecionado deverá realizar curso de qualificação profissional. O monitoramento do programa será feito pelas cidades de forma informatizada.
Já a jornada de trabalho será de 48 horas mensais, limitada a 6 horas diárias por pessoa em cada pessoa jurídica de direito público ofertante. Esse trabalho deverá ser feito em, no máximo, três dias da semana, sendo permitida a prorrogação da jornada e a instituição de regime de compensação pelo município, nos termos de regulamento.
Reportagem – Eduardo Piovesan
Edição – Pierre Triboli
Fonte: Agência Câmara de Notícias
FONTE: Clipping FEBRAC Diário Nº 3969
Entenda a decisão do STF sobre a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.
Tratei do tema em meu podcast que foi publicado nesta terça (10) e, pela relevância do tema, retomo o assunto com a mesma ressalva que utilizei no arquivo de áudio: informo que não tenho formação na área de direito, embora o direito tenha sido ferramenta indispensável desde antes do meu ingresso na Receita, quando me preparava para prestar o concurso.
Por isso, aos especialistas na área, peço que relevem eventuais impropriedades de terminologia e prometo me esforçar para errar o menos possível. O assunto veio à baila a partir de um atendimento sobre um caso de uma declaração retida em malha fiscal e que continha verbas oriundas de ação trabalhista.
Vale lembrar que esse tipo de ação, com o advento da Lei 12.350 de 20 de dezembro de 2010, que através de seu Art. 44 inseriu o Art. 12-A na Lei 7.713/88, passou a ter seus rendimentos tributáveis tratados com a regra dos “rendimentos recebidos acumuladamente”, ou seja, levando em conta o número de meses de referência e não tributando tudo no mês do recebimento, como era o tratamento até 2009.
O entendimento sacramentado em decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 12 de março último, repousa sobre a característica indenizatória presente nos juros de mora, ou seja, não caracteriza o que dispõe o CTN (Código Tributário Nacional), Lei 5.172/66, em seu Art. 43, inciso II, como sendo “proventos de qualquer natureza”, representando um acréscimo patrimonial.
Assim, os juros moratórios, por esse entendimento, apenas repõem o valor do patrimônio pelo tempo da mora, da demora em se receber os valores.
Em outubro de 2012, houve uma reviravolta no entendimento anterior, que caminhava para pacificar a não tributação, quando o julgamento de um recurso especial no STJ decretou que a regra geral seria a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora, independentemente de sua característica indenizatória.
A decisão, proferida pelo voto vencedor do relator do processo, ministro Mauro Campbell, previa duas exceções: a primeira é de que seriam isentos de imposto de renda os juros de mora pagos em virtude de demissão ou rescisão do contrato de trabalho.
A segunda é de que não incidiria imposto de renda sobre juros de mora decorrentes de verba principal isenta ou fora do campo de incidência do tributo, mesmo não tendo esta qualquer relação com demissão ou rescisão do contrato de trabalho. É o conceito, ainda que polêmico, de que o acessório segue o principal em termos de tributação.
Com a celeuma instaurada, o STF, no processo relativo ao tema 808, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, cuja tese de repercussão geral havia sido apreciada e aceita em 2015, suspendeu, em agosto de 2018, a tramitação de todos os processos judiciais e administrativos, individuais ou coletivos, que versavam sobre a incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios recebidos por pessoa física.
A decisão também suspendeu o andamento dos procedimentos administrativos tributários da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil que versavam sobre o mesmo tema.
Em março deste ano, o Tribunal Pleno do STF julgou o mérito e, por maioria, decidiu, com repercussão geral, que “não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função". Isso significa dizer que atinge as verbas salariais da iniciativa privada e também do servidor público.
E como houve rejeição de um embargo que pedia a modulação dos efeitos para abranger apenas fatos posteriores à decisão, os efeitos retroagem para os casos em que ainda não ocorreu a prescrição.
Isso significa que quem recebeu valores relativos a ações trabalhistas nos últimos 5 anos poderá pleitear a restituição do valor pago e/ou retido a título de imposto de renda e que as novas ações e os novos recebimentos já deverão excluir da base de cálculo o montante relativo aos juros de mora.
Ressalto que, para as ações recebidas nos últimos 5 anos, cujos montantes foram informados na declaração de ajuste anual, não há necessidade de qualquer pedido administrativo à Receita Federal.
Basta retificar a declaração, excluindo do montante tributável o valor dos juros, informando-o na linha 26 da ficha de “rendimentos isentos e não tributáveis”. Este procedimento vai levar a declaração para a malha, quando deverá ser apresentada a documentação probatória para liberação.
Publicado por VALTER KOPPE - Auditor-Fiscal aposentado com 25 anos de experiência no Imposto de Renda da Pessoa Física junto à Receita Federal do Brasil, participante da equipe técnica de testes e elaboração dos programas e aplicativos do IRPF de 1997 a 2019; membro da equipe técnica de elaboração e revisão do caderno de perguntas e respostas do IRPF – “perguntão” de 2015 a 2019, palestrante técnico sobre os temas do IRPF em unidades da Receita Federal, faculdades, entidades e público em geral. Idealizador e fundador do serviço de treinamento, consultoria e assessoria “Doutor Imposto de Renda” - http://www.doutorir.com e apresentador do podcast “Pílulas do Dr. Imposto de Renda” - pilulas.doutorir.com.