29.04.2025 - Pejotização não é fraude; é o século 21 batendo à porta

(www.conjur.com.br)

Jorge Matsumoto
João Mário Ferracini

Decisões recentes do STF sobre pejotização recolocaram esse modelo de contratação no centro do debate jurídico nacional. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou, em abril de 2025, a suspensão de todos os processos trabalhistas que discutem a legalidade da chamada pejotização — contratação de pessoas como PJ (pessoa jurídica) em vez de funcionários sob a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Gilmar justificou a medida apontando o “descumprimento sistemático” de entendimentos do STF pela Justiça do Trabalho, gerando “grande insegurança jurídica” e uma proliferação de ações que acabam chegando ao Supremo. Em outras palavras, as instâncias trabalhistas vinham ignorando jurisprudência consolidada e tratando a pejotização sempre como fraude, criando contradições e incertezas no sistema. Ao suspender os processos, o Supremo sinaliza que definirá parâmetros claros sobre o tema (em regime de repercussão geral), a serem seguidos nacionalmente.

Essa decisão mostra a relevância e urgência do debate: afinal, a pejotização é uma flexibilidade bem-vinda nas relações de trabalho ou apenas precarização disfarçada? Neste artigo, defendo que, embora polêmico, o modelo de contratação via PJ pode trazer benefícios importantes para as empresas — e até para os trabalhadores — se adotado de forma transparente e regulamentada, em vez de ser tratado como tabu ou fraude a priori. Em vez de insistir em um sistema engessado que resulta em informalidade maciça, é preferível encarar a pejotização como parte das transformações do mundo do trabalho e buscar equilibrá-la com a proteção necessária.

Do ponto de vista jurídico, a pejotização pode aumentar a segurança contratual e a liberdade para ajustar relações de trabalho de acordo com a realidade de cada setor. Vale lembrar que o ordenamento brasileiro consagra princípios como a livre iniciativa e a autonomia contratual, assegurados constitucionalmente.

Quando bem utilizada, a contratação PJ nada mais é que o exercício desses princípios — empresa e profissional acordando livremente os termos de uma prestação de serviço. Muitos juristas apontam que a legislação trabalhista vigente, a CLT de 1943, não acompanhou as evoluções sociais e econômicas das últimas décadas. Com mais de 80 anos, a CLT resiste à modernização, o que resulta em “perverso fenômeno da extrema litigiosidade” nas relações de trabalho . O ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto Pinto, importante jurista, critica que as definições da CLT foram construídas de forma paternalista, tratando todos os trabalhadores como hipossuficientes imaginários e ignorando diferenças de condição.

Ele observa que fenômenos modernos como terceirização e pejotização são “consequências inevitáveis da nova economia, baseada nos princípios de liberdade de escolha, da valorização da livre iniciativa, do incremento da produtividade e da eficiência”. Ou seja, proibir ou demonizar a pejotização é nadar contra uma corrente histórica de flexibilização. Em vez disso, trazer esse tipo de contrato para a legalidade de forma clara pode reduzir a insegurança jurídica — tanto para empresas, que deixam de temer uma eventual judicialização acusando fraude, quanto para os profissionais contratados, que terão termos objetivos definidos em contrato civil.

Não por acaso, decisões recentes do STF já vêm reconhecendo a legalidade da contratação via pessoa jurídica em várias situações, afastando alegações automáticas de fraude quando se trata de profissionais qualificados e não vulneráveis. O próprio ministro Alexandre de Moraes destacou que esse modelo é usado licitamente por professores, artistas, locutores e outros profissionais sem caracterizar vínculo empregatício tradicional.

Transparência na pejotização
Quando a pejotização ocorre às claras — com contrato escrito, emissão de nota fiscal, pagamento de impostos devidos —, há um ambiente contratual mais seguro do que na informalidade camuflada. Em suma, juridicamente, a pejotização regulada propicia a flexibilização das relações de trabalho dentro da lei, evitando a alternativa muito pior que é a total clandestinidade. Como afirmava o jurista liberal clássico, em uma economia livre as leis devem refletir a realidade social e não aprisionar a vida nas malhas da legislação — atualizar o direito do trabalho para admitir novos formatos contratuais é condição para sua própria sobrevivência.

Sob a perspectiva econômica, os benefícios da pejotização ficam evidentes na redução de custos e no ganho de competitividade para as empresas — especialmente no Brasil, onde o custo do trabalho formal é notoriamente elevado. Um estudo recente do professor José Pastore (USP) revelou que os encargos e obrigações sociais pagos pelas empresas podem chegar a 103,7% do valor dos salários do empregado. Ou seja, manter um trabalhador com carteira assinada pode custar mais que o dobro do seu salário direto, considerando contribuições previdenciárias, FGTS, 13º, férias e outros encargos.

Esse peso financeiro afeta drasticamente a capacidade competitiva, sobretudo de pequenas e médias empresas, e desestimula novas contratações formais. Não surpreende que muitos negócios recorram à contratação de PJs como forma de viabilizar sua operação — é, muitas vezes, a diferença entre contratar alguém ou não contratar ninguém. A pejotização permite à empresa ajustar o custo da mão de obra à sua realidade de mercado, pagando pelo serviço sem arcar com a extensa folha de benefícios compulsórios. Isso libera recursos que podem ser investidos em inovação, expansão ou preços mais baixos, tornando a empresa mais competitiva no setor. Grandes economistas defendem que a flexibilização laboral tende a gerar mais empregos e crescimento. O Nobel Milton Friedman, por exemplo, ressaltava que “o fato central de uma economia livre é que nenhuma troca ocorre a menos que ambas as partes se beneficiem”.

Aplicando essa lógica, se uma empresa e um profissional concordam num contrato PJ, é porque ambos enxergam vantagem — a empresa reduz custos e ganha eficiência, enquanto o profissional recebe uma remuneração geralmente maior (já que incorpora os valores dos benefícios) ou goza de maior autonomia. Ademais, estimula-se o empreendedorismo: o trabalhador PJ, ao virar pessoa jurídica, desenvolve mentalidade empreendedora, aprende a gerir seus rendimentos, pagar impostos como empresa e muitas vezes atende múltiplos clientes, diluindo riscos.

Favorecimento da economia
Alguns acabam crescendo e virando pequenos empresários de fato, gerando empregos. Esse dinamismo favorece a economia como um todo, criando uma cultura de prestação de serviços mais ágil e menos burocrática. Países com mercados de trabalho mais flexíveis tendem a ter menor desemprego de longo prazo e maior inovação. Basta comparar, brevemente, o caso dos Estados Unidos, onde a contratação de autônomos e freelancers é comum, impulsionando a economia gig/compartilhamento, com países onde a ultra-regulamentação resultou em desemprego crônico entre jovens.

No contexto internacional, mesmo na Europa, muitas nações vêm flexibilizando regras para permitir contratos diferenciados, cientes de que o excesso de rigidez pode levar empresas a migrarem para países de mão de obra mais barata ou substituírem humanos por automação.

Em síntese, economicamente, a pejotização oferece um alívio no “Custo Brasil” e um estímulo à eficiência. Com menos recursos amarrados em encargos, as empresas podem investir, competir e crescer, o que no longo prazo tende a gerar mais oportunidades (inclusive formais) em vez de menos.

A carteira de trabalho (símbolo do emprego formal no Brasil) impõe custos e regras rígidas. O modelo tradicional protege o trabalhador, mas, quando excessivamente inflexível, pode levar muitas empresas a evitarem contratações formais, alimentando a informalidade. No âmbito social, é preciso reconhecer as profundas transformações no mundo do trabalho ocorridas nas últimas décadas, que tensionam o antigo modelo de emprego padrão.

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman descreveu a sociedade contemporânea como uma “modernidade líquida” — algo fluido, volátil —, onde relações e instituições antes sólidas tornaram-se instáveis. Um dos efeitos disso é que o trabalho deixou de ser sinônimo de estabilidade: antigamente ingressava-se num emprego para a vida toda; hoje, “o posto de trabalho… é instável e precário”, e já não há a segurança de outrora . Muitos profissionais, especialmente os mais jovens, nem almejam passar décadas na mesma empresa.

Pouco interesse em fidelidade no emprego
Como observa o pensador brasileiro Almir Pazzianotto, os jovens de hoje têm pouco interesse em permanecer no mesmo emprego a vida toda, até porque o mercado atual valoriza especialização e requalificação constante. Carreiras são mais fluidas, pessoas alternam períodos como empregados, projetos autônomos, trabalhos temporários. Nesse contexto, a fronteira entre ser “empregado” ou “prestador de serviço” ficou mais tênue e a autonomia profissional ganhou importância. Muitos trabalhadores preferem a flexibilidade de horários e a possibilidade de negociar livremente seu valor, algo viável na condição de PJ.

Por outro lado, há legítima preocupação com perda de direitos e precarização: a CLT nasceu para proteger o lado mais fraco da relação (o empregado) de abusos, garantindo salário mínimo, férias, 13º, FGTS etc. O desafio social é equilibrar proteção e liberdade. Até que ponto as amarras legais estão realmente protegendo, e a partir de quando passam a engessar e excluir? Hoje, vemos uma contradição gritante: de um lado, um seleto grupo de trabalhadores com carteira assinada e alta proteção; de outro, quase 40% da força de trabalho na informalidade, sem nenhuma proteção legal.

Segundo o IBGE, cerca de 38,9 milhões de brasileiros trabalham informalmente — não têm férias, nem FGTS, nem cobertura previdenciária adequada. Essa informalidade maciça é, em parte, fruto do engessamento do sistema formal: ao tornar muito custoso e arriscado contratar via CLT, acabamos empurrando milhões para fora dela. Nesse cenário, uma pejotização transparente e regulamentada é socialmente menos danosa do que a informalidade disfarçada ou pura e simples.

Pelo menos, o “pejota” emite nota fiscal, contribui como pessoa jurídica ou autônomo para a Previdência (pode aderir a um plano simplificado ou pagar como contribuinte individual) e tem reconhecido por contrato o vínculo comercial, podendo exigir seu cumprimento. Já o informal absoluto fica invisível e desamparado. É preciso também desmistificar a ideia de que toda pejotização é fruto de coação do trabalhador. Em muitos casos, principalmente em profissões especializadas (TI, consultoria, representação comercial, saúde etc.), a relação PJ é até desejada pelos profissionais, que não se veem como “empregados”, mas como parceiros de negócio, preferindo a liberdade de negociar projetos e remuneração.

Claro, há casos abusivos — como um trabalhador de baixa renda forçado a virar PJ apenas para a empresa não registrar —, e esses merecem repressão. Mas a solução não é proibir a pejotização em si, e sim diferenciar o joio do trigo: coibir fraudes explícitas e proteger os realmente hipossuficientes, ao mesmo tempo em que se legitima e normatiza a contratação autônoma onde couber. O sociólogo alemão Ulrich Beck já apontava que vivemos numa “sociedade do risco”, em que os indivíduos têm de assumir mais responsabilidades sobre suas trajetórias em meio a menos certezas; assim, políticas muito rígidas de proteção podem ter efeito contrário, gerando mais insegurança (desemprego, informalidade) do que segurança.

Ganhos sociais com pejotização
A sociedade atual demanda novos arranjos laborais e um novo pacto entre capital e trabalho, em que haja proteção básica sem sufocar a iniciativa. Nesse sentido, reconhecer a pejotização como uma modalidade legítima — e regulá-la de forma inteligente — pode trazer ganhos sociais: diminui o conflito judicial, permite que trabalhadores e empresas ajustem suas relações de acordo com suas necessidades, e reduz a hipocrisia de mantermos uma legislação “perfeita” no papel enquanto metade dos trabalhadores vive à margem dela.

Em conclusão, adotar um olhar crítico porém favorável à pejotização significa enxergar as contradições do atual sistema trabalhista e buscar soluções práticas em vez de dogmas. Não se trata de “torcer contra” a proteção do trabalhador. Ao contrário, a verdadeira proteção passa por criar condições para que mais pessoas tenham ocupação e renda dignas, ainda que em formatos não tradicionais. A decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender os processos sobre pejotização coloca em evidência o quanto o Brasil precisa clarificar as regras do jogo. Se continuarmos tratando qualquer contrato PJ como fraude, estaremos ignorando realidades produtivas e condenando empresas e trabalhadores a uma eterna dança na informalidade.

Como bem sintetizou um grupo de juristas ao comentar a tendência do STF, é hora de “prestigiar a livre iniciativa, a liberdade de contratação”, evitando interferências excessivas e buscando “equilíbrio nas relações econômicas e empresariais”. A pejotização, quando transparente e feita dentro de parâmetros legais, pode sim ser benéfica: traz segurança jurídica às empresas e prestadores, reduz custos sem necessariamente reduzir remunerações, estimula o empreendedorismo e adequa-se às novas dinâmicas do trabalho no século 21. É preferível integrá-la ao sistema, com regras claras — por exemplo, definindo critérios para distinguir verdadeiro autônomo de falso empregado, garantindo contribuição previdenciária e talvez até criando modelos de contratos padrão — do que varrê-la para debaixo do tapete da clandestinidade.

A alternativa a uma pejotização regulada não será um mundo utópico de empregos formais para todos, e sim o aumento das relações de trabalho informais e precárias de fato. Diante da realidade de um mercado globalizado e tecnológico, flexibilizar com responsabilidade é o caminho para que nossas empresas prosperem e gerem oportunidades. Em vez de criminalizar a pejotização, o Brasil deve encará-la como parte da evolução nas relações de trabalho — uma evolução que, se bem conduzida, pode atender aos anseios de empresas por agilidade e dos profissionais por maior autonomia, sem abandonar a necessária proteção social mínima. Em suma, uma pejotização transparente, negociada e fiscalizada pode ser uma aliada na inclusão produtiva, enquanto a informalidade disfarçada, esta sim, é inimiga tanto do trabalhador quanto do desenvolvimento do país.

Jorge Matsumoto
é sócio do Bichara Advogados.

João Mário Ferracini
é head jurídico do Grupo SEB.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-abr-28/pejotizacao-nao-e-fraude-e-o-seculo-21-batendo-a-porta/

30.04.2025 - Ct Febraf 73-2025 - Análise Jurídica - Portaria MTE nº 547, de 11 de abril de 2025

(Ct Febraf 73-2025)

Prezados Senhores,

Disponibilizamos link para acesso da análise, elaborada pela Consultora Jurídica da Febrac, sobre a Portaria MTE nº 547, de 11 de abril de 2025, que dispõe sobre a emissão de certidões de cumprimento da reserva legal de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social e de contratação de aprendizes.

Atenciosamente,
Cristiane Oliveira
Superintendente

 

ACESSE AQUI A PORTARIA MTE 547 DE 11 DE ABRIL DE 2025

 

ACESSE AQUI A ANÁLISE JURÍDICA DA PORTARIA MTE 547 DE 11 DE ABRIL DE 2025

06.05.2025 - Da suspensão dos processos sobre vínculo de emprego em contratos de terceirização

(www.conjur.com.br)

Renata Sampaio Suñé

A recente decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes no âmbito do ARE 1.532.603/PR (Tema 1.389), ao reconhecer a repercussão geral da matéria relativa à competência das Justiça do Trabalho e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços, e ao determinar a suspensão nacional de todos os processos sobre o tema, suscita importantes questionamentos quanto aos limites da atuação do Supremo Tribunal Federal e à integridade do sistema jurídico processual brasileiro.

O STF já proferiu entendimento acerca da licitude da terceirização de atividades precípuas da empresa tomadora de serviços no julgamento conjunto da ADPF 324/DF e do RE 958.252/MG , que resultou no Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral, com a fixação da seguinte tese jurídica: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante .”

Já o ARE 1.532.603/PR trouxe ao STF a controvérsia acerca da licitude de uma contratação de pessoa física sob a modalidade do contrato de franquia, não havendo, portanto, discussão sobre a terceirização de serviços entre pessoas jurídicas, mas o reconhecimento de o vínculo empregatício com a pessoa física (franqueado), sob a arguição da violação aos artigos 2º, 3º e 9º da CLT.

Destaque-se que não há no ARE 1.532.603/PR qualquer discussão sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ação com pedido de reconhecimento de vínculo de franqueado ou discussão sobre a sistemática de ônus da prova em alegações de fraude. Sendo assim, fica evidente que a decisão do ministro relator estendeu o escopo do julgamento, introduzindo como objeto de repercussão geral temas não suscitados pelas partes e que não integravam a causa de pedir do recurso extraordinário.

Essa extrapolação caracteriza manifesta violação aos limites objetivos da lide, ferindo frontalmente o princípio da adstrição (artigo 141 do Código de Processo Civil) e o princípio dispositivo, também conhecido como princípio da inércia da jurisdição, ambos pilares do devido processo legal. O STF, assim, atua fora dos limites do que lhe foi submetido, criando um precedente de expansão indevida do seu papel revisional e invadindo a esfera de competência das instâncias ordinárias.

É igualmente grave o fato de que os temas tratados na decisão — regras sobre competência do juízo da causa principal para julgar questões incidentais e ônus da prova em casos de alegada fraude — não constituem matéria de índole constitucional, mas sim questões infraconstitucionais disciplinadas pelo Código de Processo Civil.

A Constituição Federal, em seu artigo 102, delimita expressamente a competência do STF para julgar apenas matérias constitucionais, quando houver violação direta à Constituição. A definição de quem deve julgar um pedido incidental em uma ação trabalhista (como a verificação de fraude em contrato de terceirização) ou a repartição do ônus da prova são questões de interpretação e aplicação de lei ordinária, e não de matéria constitucional stricto sensu.

Pode-se até cogitar em um conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e o Tribunal de Justiça dos Estados, cuja competência para decisão seria do Superior Tribunal de Justiça, e não do STF.

Ao assim decidir, o STF não apenas usurpa funções próprias das instâncias inferiores, como também fragiliza a lógica do sistema recursal, funcionando, na prática, como uma instância revisora geral — o que a própria Corte reconhece ser um problema, ao mesmo tempo em que o perpetua com decisões que extrapolam sua missão constitucional.

Além disso, a decisão ignora que não há qualquer lacuna normativa no ordenamento jurídico quanto às questões suscitadas. O artigo 503 do Código de Processo Civil dispõe que as questões incidentais decididas com contraditório devem ser apreciadas pelo juízo que julga a questão principal, excepcionando apenas a coisa julgada sobre essa decisão incidental, caso o julgador não seja competente “em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal”. Em ações que discutem vínculo de emprego, a apuração de fraude em contratos de terceirização é consequência lógica do pedido principal (questão incidental), não demandando deslocamento de competência nem modulação jurisprudencial.

Quanto ao ônus da prova, o artigo 373 do Código de Processo Civil fornece critérios objetivos de repartição, sendo matéria puramente processual, fora do alcance da jurisdição constitucional do STF. Não cabe à Corte Suprema reinterpretar normas infraconstitucionais que fundamentam a decisão recorrida, sob pena de suprimir a função das instâncias especializadas e da legislação ordinária.

A decisão do STF sustenta, ainda, que a Justiça do Trabalho estaria “descumprindo sistematicamente” as suas orientações, o que justificaria a centralização do julgamento do tema e a suspensão nacional de todos os processos sobre o assunto. Essa alegação, contudo, ignora a função contramajoritária da Justiça especializada, seu papel técnico na interpretação da legislação infraconstitucional e sua competência constitucionalmente definida para apreciar relações de trabalho (artigo 114, CF).

Ou seja, a Constituição da República reservou à Justiça do Trabalho o julgamento de toda e qualquer ação oriunda da “relação de trabalho”, e não apenas da relação de emprego, o que reafirma a sua competência para julgamento das matérias trazidas no ARE 1.532.603/PR.

O que o STF chama de “insegurança jurídica” pode, na verdade, ser entendido como divergência legítima de interpretação em um sistema jurisdicional plural, em que a instância máxima não deve funcionar como instância recursal trabalhista.

Ao invocar a ADPF 324 como base de sua decisão, o STF reforça o discurso da “liberdade de organização produtiva” como valor absoluto, sem ponderar de forma adequada os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho (artigos 1º, III e IV, e 170, caput, da CF). Ao suspender todos os processos que discutem vínculo de emprego em contextos de terceirização, mesmo os que tratam de fraudes evidentes, a corte contribui para a normalização da pejotização e da precarização das relações de trabalho.

Paralisação condena milhares à vulnerabilidade
A decisão ora criticada representa não apenas um equívoco jurídico, mas também um retrocesso institucional. A intervenção do STF em matéria claramente infraconstitucional, sob pretexto de uniformizar jurisprudência, revela um ativismo desmedido que fragiliza a Justiça do Trabalho e compromete o equilíbrio federativo da jurisdição.

A Constituição exige que o STF atue como guardião da Constituição, e não como intérprete supremo do Código de Processo Civil, quando ausente violação a preceitos constitucionais. Ao invadir competências das instâncias ordinárias, decidir além do pedido, e transformar temas legais em pseudo questões constitucionais, o Supremo mina sua legitimidade institucional e desestabiliza o sistema de justiça.

A suspensão nacional imposta pelo STF também traz consequências dramáticas para os trabalhadores brasileiros, em especial aqueles que, há anos, aguardam uma decisão definitiva em suas ações trabalhistas. Muitos desses processos já haviam percorrido todas as etapas processuais, encontrando-se próximos da fase de execução ou do trânsito em julgado. Agora, por força de uma medida que carece de tecnicidade e que não dialoga com a Constituição da República, esses trabalhadores terão de aguardar indefinidamente, sem qualquer perspectiva concreta de quando — ou se — seus direitos serão efetivamente reconhecidos e satisfeitos.

Em um país marcado pela informalidade e pela precarização das relações laborais, essa paralisação processual condena milhares de pessoas à incerteza e à vulnerabilidade, negando-lhes, na prática, o acesso efetivo à justiça. É o exemplo mais claro de que justiça adiada é justiça negada.

É tempo de reafirmar a contenção judicial, o respeito à autonomia das jurisdições especializadas e à separação dos Poderes. O zelo pelo ordenamento jurídico exige, acima de tudo, respeito à Constituição — inclusive pelos seus guardiões

Renata Sampaio Suñé
é advogada, sócia do Ramos Suñé Advogados, mestranda em Direito pela Faculdade de Direito da UFBA, pós-graduada em Direito do Estado Lato Sensu pela Fundação Faculdade de Direito da UFBA e em Direito do Trabalho Lato Sensu (PUC-RS) e graduada em Direito pela UFBA.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mai-04/uma-critica-a-suspensao-nacional-dos-processos-sobre-vinculo-de-emprego-em-contratos-de-terceirizacao/

06.05.2025 - Lei da igualdade salarial: PGR é contra divulgar salários por cargo

(www.migalhas.com.br)

Para Gonet, a divulgação representa afronta aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e da proteção à intimidade.

Da Redação

A PGR defendeu, em manifestação enviada ao STF, a inconstitucionalidade parcial da lei 14.611/23, que institui mecanismos para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. A análise foi apresentada no âmbito da ADIn 7.631, proposta pelo Partido Novo, e é assinada pelo procurador-Geral da República, Paulo Gonet.

Segundo o parecer, a exigência de que empresas com mais de 100 empregados divulguem semestralmente relatórios de transparência salarial nos seus sites institucionais representa afronta aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e da proteção à intimidade. Para Gonet, ainda que os dados sejam anonimizados, a correlação entre cargo e remuneração pode permitir a identificação de pessoas, o que violaria a privacidade dos trabalhadores e poderia gerar prejuízos comerciais às empresas.

A norma questionada determina que os relatórios tragam informações sobre os salários de homens e mulheres, bem como a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia por gênero. A PGR reconhece que o objetivo da lei é legítimo, mas entende que a forma de cumprimento pode expor dados estratégicos e sensíveis, além de provocar interpretações equivocadas sobre eventuais desigualdades não justificadas, sem permitir às empresas apresentar explicações prévias.

Gonet também opinou pela inconstitucionalidade da expressão "independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho", prevista no § 2º do artigo 5º da lei. Para a PGR, a expressão amplia indevidamente a obrigatoriedade de adoção de planos de ação pelas empresas mesmo quando não há prova de descumprimento das regras sobre equiparação salarial.

Por outro lado, a PGR afastou o argumento de que a lei violaria a liberdade sindical. O parecer considerou válida a possibilidade de participação direta de trabalhadores em empresas com até 200 empregados na elaboração dos planos de ação, sem excluir a atuação de entidades sindicais.

Na ação, o Partido Novo argumenta que a legislação impõe ônus excessivo às empresas e obriga a divulgação de informações que poderiam revelar estratégias de custo e formação de preços. O caso está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes e também é alvo de questionamentos em outra ação, a ADIn 7.612, ajuizada por entidades representativas do setor industrial e do comércio.

A Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Poder Executivo já se manifestaram pela constitucionalidade da norma, defendendo que a política busca promover a igualdade material de gênero no ambiente de trabalho. Ainda não há data para julgamento no STF.

Processo: ADIn 7.631
Leia a manifestação.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/429562/lei-da-igualdade-salarial-pgr-e-contra-divulgar-salarios-por-cargo

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