12.08.2025 - GT da reforma administrativa: escasso diálogo e risco de retrocesso

(www.jota.info)

Momento exige atenção redobrada diante de indefinição formal e avanços legislativos por meio de proposições paralelas

Fernanda P. Oppermann Iizuka, Nikolly Milani

Desde a apresentação da PEC 32/2020, a chamada reforma administrativa paira sobre o funcionalismo público brasileiro como uma ameaça persistente. Embora não tenha avançado em plenário na legislatura passada, seu conteúdo permanece vivo e ressurgiu neste ano sob nova roupagem, conduzida agora por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados.

A proposta ainda não possui um texto oficial consolidado, mas as sinalizações feitas por seus articuladores políticos, por documentos preliminares e pelas audiências do GT já permitem antecipar os contornos de uma reforma estrutural disfarçada de modernização.

O novo discurso abandona o tom abertamente fiscalista do passado e se vale de uma narrativa mais técnica, ancorada em palavras como “eficiência”, “meritocracia” e “governança”. No entanto, sob essa retórica, mantém-se a essência de uma reforma voltada à flexibilização das garantias do servidor, ao enfraquecimento das estruturas de Estado e à ampliação de mecanismos de precarização do trabalho público.

Trata-se, portanto, de uma reforma administrativa disfarçada, conduzida em capítulos fragmentados, com aparência moderada, mas potencial transformador profundo – e arriscado.

Diante de um cenário de indefinição formal e avanços legislativos por meio de proposições paralelas, o momento exige atenção redobrada. A leitura ingênua de que se trata de uma reforma “nova” ou “diferente” pode custar caro. A história recente demonstra que reformas administrativas fragmentadas tendem a avançar mais facilmente, especialmente se enfrentarem resistência dispersa ou descoordenada.

Estabilidade: pilar está em risco
A estabilidade no serviço público é uma das garantias centrais de um Estado republicano e impessoal. Apontada por alguns setores da reforma como sinônimo de ineficiência, ela é, na verdade, um mecanismo essencial para proteger o servidor de pressões político-partidárias e assegurar a continuidade das políticas públicas. É a estabilidade que dá ao servidor a autonomia necessária para resistir a interesses particulares e tomar decisões técnicas, ainda que impopulares do ponto de vista político.

Embora o GT não proponha a extinção explícita da estabilidade, o que se observa é a formulação de estratégias para esvaziá-la de forma indireta. Ampliação de vínculos temporários, diversificação das formas de contratação, flexibilização de regras de permanência e mecanismos de avaliação com critérios indefinidos compõem um desenho institucional que pode esvaziar, na prática, o alcance protetivo da estabilidade. A corrosão é sutil, mas constante - e pode ser irreversível se não for enfrentada desde já.

Contratações temporárias: o desmonte sutil
Entre os eixos centrais da proposta está a ampliação da contratação temporária. Em nome da flexibilidade, pretende-se autorizar vínculos precários por até dez anos, o que cria brechas para substituir servidores concursados por trabalhadores com menos direitos, menor proteção e maior vulnerabilidade.

Essa medida não apenas compromete a profissionalização do serviço público como, a médio prazo, pode reduzir drasticamente sua qualidade. A substituição de servidores de carreira por funcionários temporários enfraquece a capacidade institucional do Estado, desvaloriza o concurso público e compromete o compromisso de longo prazo com a administração pública. Há, aqui, um risco sistêmico: o enfraquecimento do próprio conceito de Estado como garantidor de direitos e executor de políticas públicas permanentes.

Estágio probatório e avaliação de desempenho: entre a promessa e o risco
A proposta também volta seu olhar para o estágio probatório e para a avaliação de desempenho, defendendo uma lógica de eliminação mais dura e avaliações mais frequentes. Ainda que avaliações bem estruturadas possam ser instrumentos legítimos de aprimoramento, sua implementação, no contexto atual, traz mais riscos do que garantias.

Sem critérios objetivos, regras transparentes, mecanismos de controle social e garantias de contraditório, as avaliações podem se tornar ferramentas de perseguição ou de uso político. Pior: podem criar um ambiente organizacional pautado pelo medo e pela instabilidade permanente, desestimulando a inovação, a independência técnica e o compromisso com resultados de longo prazo. Avaliar sim — mas com justiça, segurança jurídica e ampla participação.

Negociação coletiva: a pauta esquecida
Apesar de toda a retórica sobre modernização e gestão eficiente, o debate ignora um tema central para qualquer estrutura organizacional moderna: a negociação coletiva no setor público. Mesmo sendo um direito previsto na Constituição e garantido por convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Convenção 151 da OIT, o país segue sem regulamentação que permita, de fato, o exercício desse direito.

A ausência de canais institucionais de negociação reforça a assimetria de poder entre servidores e o Estado, torna as decisões unilaterais e compromete a legitimidade das reformas. Não se pode falar em modernização enquanto os servidores públicos não forem reconhecidos como interlocutores legítimos na construção das políticas que os afetam diretamente.

Supersalários e pautas intocáveis da reforma
Enquanto se propõe endurecer regras para a base do serviço público, temas centrais como os supersalários, os privilégios de certas carreiras de Estado e a situação dos militares seguem blindados de qualquer discussão. Essa assimetria revela que a ideia de “combate aos privilégios” tem sido instrumentalizada como retórica política, e não como eixo real de mudança.

Essa blindagem de setores com maior poder de barganha enfraquece o argumento da equidade e mina a confiança da sociedade no processo. Não há reforma administrativa justa sem enfrentar as desigualdades estruturais do sistema. A exclusão desses temas apenas reforça a percepção de seletividade e a falta de compromisso dos legisladores com uma mudança isonômica e abrangente.

Unidade e organização: a urgência da articulação entre as entidades
Mais do que nunca, é hora de superar fragmentações e disputas internas no campo sindical e associativo. A estratégia de fatiar a reforma — pulverizando o debate em PECs, PLPs e PLs — exige que as entidades atuem com coordenação, estratégia e senso de urgência. Não é possível esperar um texto final para reagir. A hora de agir é agora.

É fundamental que as entidades representativas dos servidores públicos atuem de forma unificada, em prol de articulação uma nacional consistente, com presença qualificada no Congresso, diálogo com a sociedade e mobilização permanente nos territórios e nas redes sociais. Não basta apenas combater o retrocesso, é preciso disputar o modelo de Estado que se quer construir. A defesa do serviço público não é uma pauta corporativa: é uma bandeira republicana, democrática e social.

A história já mostrou que, quando o movimento se une com estratégia, técnica e legitimidade, é capaz de impedir reformas injustas, reverter retrocessos e construir alternativas sólidas. A nova reforma administrativa está em marcha. E o tempo de reagir não é amanhã – é hoje.

Fernanda P. Oppermann Iizuka
Sócia do Freitas da Silva (FdS) Advogados, graduada em Direito pela UnB, pós-graduanda em Infraestrutura pela PUC-Minas e pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito e Economia da UnB

Nikolly Milani
Sócia do escritório Freitas da Silva (FdS) Advogados, graduada em Direito pela UnB e membro da Comissão de Relações Raciais da OAB-DF

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/gt-da-reforma-administrativa-escasso-dialogo-e-risco-de-retrocesso

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