26.11.2025 - Indébitos tributários como alternativa legítima na execução trabalhista

(www.conjur.com.br)

Marcos Aurélio da Silva Prates

A interlocução entre o direito tributário e o direito do trabalho ainda é explorada de forma tímida no Brasil, embora ambos influenciem diretamente a saúde financeira das empresas e a efetividade da tutela jurisdicional. Um campo especialmente promissor dessa interface surge na gestão de indébitos tributários: créditos reconhecidos judicialmente, muitas vezes oriundos de cobranças indevidas, que permanecem represados por barreiras burocráticas e operacionais. Estudo recente, intitulado “A utilização alternativa de indébitos tributários para pagamento de dívidas decorrentes de passivos judiciais trabalhistas” (FGV Direito SP, 2025), evidencia a necessidade de romper com essa visão fragmentada e aproximar, de forma responsável, as lógicas tributária e trabalhista.

No modelo vigente, a conversão desses créditos em liquidez depende de procedimentos administrativos de restituição ou compensação, sujeitos a prazos elevados, formalidades rigorosas e recorrentes controvérsias perante a Receita Federal. Isso retarda a realização do crédito e impede que o indébito cumpra plenamente sua função de ativo empresarial. Em paralelo, a execução trabalhista convive há décadas com gargalos estruturais: dificuldade de localização de bens, multiplicidade de incidentes, prazos dilatados e, não raro, frustração do pagamento ao trabalhador.

Diante desse quadro, mostra-se juridicamente razoável discutir o emprego de créditos tributários líquidos e certos, já reconhecidos em favor do contribuinte, como instrumentos de quitação de passivos judiciais trabalhistas. Não se trata de promover compensação tributária à margem do sistema, mas de reconhecer o indébito como ativo dotado de valor econômico, apto a ser utilizado, sob controle do juízo, na satisfação do crédito laboral. A operação se harmoniza com o artigo 765 da CLT, que confere ao magistrado ampla liberdade na condução do processo, justamente para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional.

O CPC consagrou a partir de 2015 a atipicidade dos meios executivos, reforçando essa diretriz ao permitir medidas não expressamente previstas em lei, desde que adequadas, proporcionais e idôneas à satisfação do crédito. Nesse contexto, a utilização do indébito tributário como meio executivo enquadra-se no repertório legítimo de soluções disponíveis ao magistrado. Desde que o crédito seja líquido, certo, comprovado e submetido à apreciação judicial, não há incompatibilidade com o sistema processual, ao contrário, há concretização do princípio da efetividade.

Princípio da preservação da empresa
O princípio constitucional da preservação da empresa (artigo 170 da Constituição) dá densidade adicional ao argumento. Em vez de exigir desembolsos imediatos que comprimem o caixa da empresa e ampliam o risco de insolvência, a utilização estratégica de ativos tributários permite que o empregador honre o crédito trabalhista com maior rapidez, sem comprometer a continuidade da atividade econômica. Trata-se de alternativa coerente com a função social da empresa e com o objetivo constitucional de manutenção de empregos.

A Justiça do Trabalho já sinaliza abertura a soluções executivas diferenciadas voltadas à reorganização do passivo. Exemplo disso é o Provimento GP-CR nº 007/2023 do TRT da 15ª Região, que instituiu o Plano Especial de Pagamento Trabalhista (Pept). O modelo permite que empresas em crise negociem, sob controle judicial, formas alternativas de quitação, com prazos, garantias e condições ajustados à realidade financeira da executada. O desenho reforça a lógica de flexibilização e eficiência dos meios executivos e confirma, institucionalmente, que o sistema admite mecanismos inovadores. Nesse cenário, a utilização de créditos tributários líquidos como ativos aptos a satisfazer obrigações trabalhistas não representa ruptura, mas uma evolução natural do sistema.

A pesquisa desenvolvida no âmbito do mestrado profissional da FGV Direito SP [1] demonstra que, além da consistência jurídica, há racionalidade econômica na proposta. Ao converter indébitos em instrumento de quitação trabalhista, reduz-se o custo global da execução, diminui-se a litigiosidade em fase executiva e amplia-se a previsibilidade operacional. O credor trabalhista tende a receber em prazo menor; a empresa, por sua vez, reorganiza seu passivo com menor impacto financeiro imediato. A solução também dialoga com tendências contemporâneas, como o negócio jurídico processual, a mediação e a busca por arranjos executivos cooperativos.

Modernização da execução trabalhista
Para além do caso concreto, a difusão qualificada desse debate configura estratégia empresarial relevante. Quando a advocacia empresarial produz análises estruturadas, com referências normativas, dados econômicos e cenários práticos para empresas em crise, ou em vias de crise, contribui para o aprimoramento institucional e fortalece sua própria autoridade técnica. Ao antecipar problemas, propor soluções juridicamente seguras e medir impactos econômicos, a advocacia gera valor real ao mercado e se torna referência na construção de caminhos inovadores e responsáveis.

Transformar esse conhecimento em ativo estratégico é tão decisivo quanto dominar os instrumentos processuais clássicos da execução. O maior obstáculo, hoje, não está na rigidez normativa, mas na cultura jurídica ainda compartimentada, que enxerga o direito tributário, o direito do trabalho e o direito empresarial como territórios estanques. Superar essa fragmentação e admitir que a integração interna do sistema é condição para respostas mais inteligentes, eficientes e aderentes à realidade econômica de empresas e trabalhadores é o passo que falta para modernizar a execução trabalhista.

A utilização de indébitos tributários como ferramenta executiva, sob controle judicial e observância das garantias processuais, materializa essa mudança de paradigma. Trata-se de alternativa técnica e constitucionalmente adequada, que preserva empresas, acelera pagamentos e devolve racionalidade econômica à execução trabalhista. Esse avanço exige advogados capazes de compreender a integração entre os ramos do Direito, alinhar estratégias e apresentar soluções juridicamente sólidas e economicamente viáveis.

Mais do que uma tese acadêmica, trata-se de um caminho concreto para modernizar a atuação jurisdicional, fortalecer a efetividade das decisões e reafirmar que o Direito existe para produzir resultados reais, e não apenas decisões formalmente corretas, mas incapazes de se concretizar na prática.

[1] PRATES, Marcos Aurélio da Silva. A utilização alternativa de indébitos tributários para pagamento de dívidas decorrentes de passivos judiciais trabalhistas. 2025. Dissertação (Mestrado Profissional em Direito e Empreendimento) – Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, FGV Direito SP, São Paulo, 2025. Disponível aqui e aqui

Marcos Aurélio da Silva Prates
é advogado, sócio do escritório Martins Miguel Sociedade de Advogados, mestre em Direito, área de concentração em Direito dos Negócios, pelo Mestrado Profissional em Direito e Empreendimento da FGV Direito SP e especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-nov-26/indebitos-tributarios-como-alternativa-legitima-na-execucao-trabalhista/

26 Novembro 2025

26.11.2025 - Indébitos tributários como alternativa legítima na execução trabalhista (www.conjur.com.br (https://www.conjur.com.br/2025-nov-26/indebitos-tributarios-como-alternativa-legitima-na-execucao-trabalhista/)) https://www.conjur.com.br/2025-nov-26/indebitos-tributarios-como-alternativa-legitima-na-execucao-trabalhista/ (https://www.conjur.com.br/2025-nov-26/indebitos-tributarios-como-alternativa-legitima-na-execucao-trabalhista/)

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