10.07.2025 - Limitação dos valores indicados na inicial: inconstitucionalidade do artigo 840, §1º da CLT

(www.conjur.com.br)

André Pessoa

A reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), ao incluir o §1º no artigo 840 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituiu a obrigatoriedade de que os pedidos formulados na petição inicial de uma reclamação trabalhista sejam liquidados, ou seja, acompanhados de valores certos.

Tal exigência tem sido objeto de intensos debates jurídicos e constitucionais desde o advento da reforma, uma vez que impõe ao trabalhador encargos técnicos e financeiros que muitas vezes extrapolam suas capacidades, ferindo princípios fundamentais do Direito do Trabalho e do processo constitucional brasileiro.

Reforma trabalhista e o impacto nas reclamações, a luz do §1º do art. 840 da CLT

Com a nova redação dada pela Lei nº 13.467/2017, o §1º do artigo 840 da CLT passou a exigir que o pedido inicial na reclamação trabalhista seja “certo, determinado e com indicação de seu valor”. Na prática, essa inovação legislativa transfere ao trabalhador, muitas vezes hipossuficiente e sem assessoramento técnico especializado, o ônus de liquidar com precisão os valores de suas pretensões já no momento da propositura da ação.

A exigência de liquidez tem gerado preocupação entre os operadores do Direito, especialmente porque o cálculo exato de verbas trabalhistas pode depender de informações que, muitas vezes, estão exclusivamente na posse do empregador. Além disso, nem todos os trabalhadores possuem condições de contratar assessoria contábil ou jurídica previamente.

Tal obrigação impossibilitaria a apresentação de cálculos precisos, já que isso representa um custo imposto ao trabalhador sem que ela tenha obtido ainda a reparação pelos prejuízos que lhe foram causados ao longo do seu contrato de emprego, os quais busca a reparação. Essa é a realidade financeira da grande maioria dos autores nas Ações trabalhistas.

Instrução Normativa nº 41/2018 do TST e segurança jurídica
Ciente das dificuldades práticas geradas pela exigência de liquidação dos pedidos, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa nº 41/2018, que orienta os juízes do trabalho a entenderem que os valores indicados na inicial possuem natureza estimativa, não vinculando o juiz ao valor atribuído nem limitando a condenação.

A norma visa a preservar a lógica protetiva do direito do trabalho e a garantir que a Justiça do Trabalho continue sendo um espaço acessível ao trabalhador. A interpretação flexível da exigência legal proposta pelo TST busca assegurar segurança jurídica e eficiência processual, evitando o indeferimento de petições iniciais por formalidades excessivas.

Eventual afastamento da orientação do TST e a imposição literal da exigência de liquidez, sem margem para interpretação razoável, representam risco real à segurança jurídica e à função social da Justiça do Trabalho. Além disso, pode resultar em aumento de nulidades processuais, insegurança e ineficiência na tramitação dos processos em curso.

ADI 6.002 e fundamentos da inconstitucionalidade
Diante da controvérsia instalada, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 6.002, atualmente em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), da relatoria do ministro Zanin, questionando a constitucionalidade do §1º do artigo 840 da CLT.

A ADI sustenta que a imposição da liquidação prévia dos pedidos viola os princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, XXXV da CF), da ampla defesa, do devido processo legal e da proteção ao hipossuficiente. Argumenta-se que a exigência cria uma barreira de acesso à justiça para grande parte da população trabalhadora, além de desconsiderar as peculiaridades da Justiça do Trabalho e a realidade social do país.

O STF ainda não julgou o mérito da ação, mas sua pendência sinaliza a necessidade de uma definição definitiva e segura acerca da compatibilidade desse dispositivo com a Constituição Federal.

O atual momento do Supremo Tribunal Federal, contudo, tem sido marcado por uma guinada interpretativa de viés mais conservador, com decisões que, em diversas ocasiões, têm restringido direitos historicamente assegurados aos trabalhadores. Esse panorama tem gerado legítima preocupação entre os operadores do direito do trabalho e, principalmente, entre os trabalhadores, que veem nessa postura uma possível ameaça ao equilíbrio da relação processual e à efetividade do princípio da proteção.

Ainda assim, permanece a expectativa de que, ao julgar o mérito da ADI 6.002, o STF reconheça a incompatibilidade do §1º do artigo 840 da CLT com a Constituição, restabelecendo a plena acessibilidade à Justiça do Trabalho e reafirmando o compromisso da corte com os valores fundamentais de justiça social, igualdade e proteção ao hipossuficiente.

Aplicação da Súmula Vinculante nº 10 do STF nas reclamações constitucionais
Enquanto a ADI 6.002 aguarda julgamento de mérito, o STF tem sido provocado a se manifestar sobre o tema por meio de reclamações constitucionais. Em recentes decisões, os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes cassaram decisões de Tribunais Regionais do Trabalho que haviam afastado a aplicação do §1º do artigo 840 da CLT sem observar o princípio da reserva de plenário.

Com base na Súmula Vinculante nº 10 do STF, os ministros entenderam que a declaração de inconstitucionalidade de norma legal só pode ser feita pelo plenário do tribunal ou pelo órgão especial, conforme estabelece o artigo 97 da Constituição. Assim, ainda que o juiz ou órgão fracionário considere a norma inconstitucional, está impedido de afastar sua aplicação sem o devido pronunciamento do colegiado competente.

Importante ressaltar que essas decisões não trataram do mérito da constitucionalidade do §1º do art. 840, limitando-se à observância da forma processual adequada. O STF, portanto, reafirmou que a discussão sobre a validade da norma deve ser realizada no âmbito do plenário, sem emitir qualquer juízo sobre o conteúdo da norma impugnada.

Considerações finais
A exigência de pedidos líquidos na petição inicial da reclamação trabalhista, nos termos do §1º do artigo 840 da CLT, revela-se incompatível com o modelo constitucional de acesso à justiça e proteção da parte hipossuficiente. A pendência da ADI 6.002 no STF demanda julgamento célere e definitivo sobre o mérito da controvérsia, para que se estabeleça um marco claro e coerente com a Constituição.

As decisões recentes dos ministros do STF em sede de reclamação constitucional reforçam a importância do respeito à reserva de plenário, mas não encerram o debate sobre a validade substancial do dispositivo legal. Por sua vez, a Instrução Normativa nº 41 do TST representa um importante freio de contenção a interpretações restritivas que, se aplicadas rigorosamente, podem inviabilizar o acesso do trabalhador ao Judiciário.

Diante disso, é imprescindível que o STF analise o mérito da ADI 6.002, reconhecendo a inconstitucionalidade do §1º do artigo 840 da CLT e reafirmando o compromisso da Constituição de 1988 com o acesso pleno à justiça e a proteção da parte vulnerável nas relações de trabalho.

André Pessoa
é advogado, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e professor de Direito do Trabalho da Faculdade Baiana de Direito.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-jul-10/limitacao-dos-valores-indicados-na-inicial-inconstitucionalidade-do-artigo-840-%C2%A71o-da-clt/

11.07.2025 - Empresas deverão abrir dados sobre verdadeiros donos, aprova CCT

(www12.senado.leg.br)

Da Agência Senado

A Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) aprovou nesta quarta-feira (9) projeto de lei que obriga empresas que atuam no Brasil, nacionais ou estrangeiras, a informar ao poder público quem são seus verdadeiros donos. O PL 233/2022, do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), recebeu relatório favorável do senador Efraim Filho (União-PB), com uma emenda, e segue para análise pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

O projeto, que teve relatório lido pelo senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), determina que empresas devem declarar informações exatas e atualizadas sobre seus beneficiários finais e como a declaração será feita. Segundo o autor, o objetivo é evitar que a personalidade jurídica seja usada de forma indevida para a prática de crimes como ocultação de recursos, lavagem de dinheiro e corrupção.

O relator propôs uma emenda para retirar a divulgação do ano de nascimento, país de residência e CPF do beneficiário final, mesmo com dígitos ocultos, por violação à vida privada. Também sugeriu adotar o prazo de até 5 anos para a divulgação das informações caso a empresa a que o beneficiário final estiver ligado for extinta.

— Apresentamos, assim, emenda ao projeto para aperfeiçoá-lo, objetivando alcançar o cerne de combater a corrupção sem cruzar os limites da vida privada e das informações de foro íntimo. Considerando estes ajustes, entendemos que a proposta é meritória — lei, Mourão. 

Beneficiário final
A proposta define como beneficiário final toda pessoa ou em nome da qual a transação é conduzida e que, em última instância, direta ou indiretamente, possui, controla ou influencia significativamente a empresa. 

Já a influência significativa é determinada pela posse, direta ou indiretamente, de ao menos 15% do capital ou do direito a voto; ou o predomínio nas deliberações sociais e o poder de eleger ou remover a maioria dos administradores da empresa, ainda que sem controlá-la.

Declaração 
A coleta de dados sobre o beneficiário final, segundo o texto, será de responsabilidade do Ministério da Fazenda, por meio da Receita Federal e das Juntas Comerciais. O projeto determina que as sociedades civis e comerciais, associações, cooperativas e fundações, brasileiras ou estrangeiras, que exerçam atividade ou celebrem contrato no país deverão preencher a declaração de beneficiários finais.

A declaração deverá ser efetuada com o registro de constituição da sociedade ou com a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Já a confirmação do que for declarado inicialmente deverá ser feita por meio de uma declaração anual pela empresa, a ser entregue até o dia 15 de março do ano atual. 

Sanções
As empresas que não preencherem e atualizarem as informações referentes ao beneficiário final no prazo solicitado poderão ter sua inscrição suspensa no CNPJ e serem impedidas de realizar transações em estabelecimentos bancários, inclusive quanto à movimentação de contas-correntes, à realização de aplicações financeiras e à obtenção de empréstimos.

Aquele que prestar falsas declarações, além da responsabilidade criminal, também poderá responder civilmente pelos danos que ocorrerem, segundo o projeto.

Ampliação
Entre as mudanças sugeridas na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e acatadas por Efraim, está a inclusão dos "arranjos legais", como os trusts e as empresas offshores, utilizados com frequência para lavagem de dinheiro, corrupção e blindagem patrimonial, na lista de entidades obrigadas a compartilhar informações sobre beneficiários finais.

Outra alteração aprovada é a mudança do conceito de pessoa com influência significativa em determinada empresa, atualmente, aquela que possui 15% do controle sobre o capital ou direito a voto. O texto diminui o percentual para 12%, com o objetivo de alcançar um maior número de beneficiários finais.

O senador também acatou fornecer à Receita Federal o poder de regulamentar a identificação desses beneficiários finais e de reduzir esse percentual até 5% em casos de beneficiários finais de fundos de investimentos, empresas domiciliadas no exterior com ativos no Brasil, sociedades anônimas abertas e fechadas, ou de relevante perfil econômico-financeiro.

Ainda, Efraim aprovou repassar o poder de regulamentar as datas de entrega da declaração anual do beneficiário final para a Receita Federal, e não determinar o um dia específico para a entrega da declaração, como fez a proposição.

Audiências públicas
A CCT aprovou requerimentos para realização de quatro audiências públicas. Dois deles (REQ 14/2025 e REQ 16/2025) tratam da promoção de debate sobre a Política Nacional de Educação Digital, instituída pela Lei nº 14.533, de 2023. Requerido pelo senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP), a audiência deve ser conjunta com a Comissão de Educação (CE) e deve abordar a necessidade de regulamentação da legislação. 

Outros dois requerimentos, também do senador Astronauta Marcos Pontes, sugerem: audiência pública sobre os avanços e desafios regulatórios das vacinas nacionais que estão em estágios clínicos avançados de desenvolvimento, como a vacina contra a dengue e a vacina SPINTEC, contra a covid-19, desenvolvida pelo CT-Vacinas da UFMG (REQ 15/2025) e debate sobre “O Programa de Clima Espacial Brasileiro e a missão espacial de grande porte para observações solares, Missão Telescópio Espacial Solar Galileo (REQ 17/2025).

Saiba Mais:
REQ 14/2025 - CCT
REQ 15/2025 - CCT
REQ 16/2025 - CCT
REQ 17/2025 - CCT
Proposições legislativas - PL 233/2022

Fonte: Agência Senado 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/07/09/empresas-deverao-abrir-dados-sobre-verdadeiros-donos-aprova-cct

11.07.2025 - Salário mínimo 2026 deve ser de R$ 1.630 com ajuste menor que em 2025

(www.contabeis.com.br)

Salário mínimo em 2026 deve ter aumento de 7,37%, contra 7,5% em 2025. Confira valores previstos para o próximo ano e até 2029.

O governo federal enviou o Orçamento no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026 com a previsão de reajustar o salário mínimo nacional em 7,37%, elevando o piso nacional para R$ 1.630 em 2026. O valor também foi confirmado pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet.

Se aprovado, o reajuste do próximo ano será menor que o concedido de 2024 para 2025, quando o aumento foi de 7,5% e alterou o piso de R$ 1.412 para R$ 1.518.

O mesmo documento do governo também prevê os salários mínimos dos próximos anos, confira abaixo.
Salário mínimo previsto:

2027 - R$ 1.724,00

2028 - R$ 1.823,00

2029 - R$ 1.925,00

O salário mínimo nacional não impacta apenas os trabalhadores com carteira assinada, mas também serve como parâmetro de reajuste do funcionalismo público, das aposentadorias e benefícios fiscais.
Como é feito o cálculo do reajuste do salário mínimo?

O reajuste do salário mínimo para 2025 segue as regras da política de valorização estabelecida pela Lei nº 14.663/2023. Para a definição do novo valor, que tem como base o salário de R$ 1.412, são considerados dois fatores principais:

- Inflação acumulada em 12 meses até novembro do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC);
- Crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores, limitado a 2,5%, conforme alteração aprovada pelo Congresso Nacional na Lei nº 15.077, de 27 de dezembro de 2024.

Quais os descontos do salário mínimo?

Embora o valor bruto do salário mínimo seja definido anualmente pelo governo, o trabalhador pode receber um valor líquido inferior devido aos descontos obrigatórios. Esses descontos variam conforme o regime de contratação e a categoria profissional, mas os principais são:
1. Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)

O desconto do INSS é obrigatório para trabalhadores com carteira assinada e varia conforme a faixa salarial. Em 2025, as alíquotas da contribuição previdenciária seguem a tabela progressiva, mas para quem recebe apenas o salário mínimo, o desconto é de 7,5%, o que representa uma dedução de R$ 113,85, considerando o valor de R$ 1.518,00.

Se o salário mínimo de 2026 for aprovado em R$ 1.630,00, o desconto do INSS será de R$ 122,25 (7,5%) e o trabalhador receberá R$ 1.507,75.
2. Imposto de Renda Retido na Fonte

Trabalhadores que recebem apenas o salário mínimo estão isentos do Imposto de Renda, já que o valor não atinge o limite mínimo de tributação.
3. Contribuição sindical (opcional)

Desde a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), a contribuição sindical deixou de ser obrigatória. Só pode ser descontada com autorização expressa do trabalhador.

Publicado por Izabella Miranda - Diretora de conteúdo

Fonte: https://www.contabeis.com.br/noticias/71712/salario-minimo-2026-deve-ser-de-r-1-630-com-reajuste-menor-que-2025/

15.07.2025 - Ives Gandra Filho: ‘Penso ser necessário se discutir uma reforma trabalhista 2’

(revistaoeste.com)

Ex-presidente do TST, o ministro comentou ainda a regulamentação do trabalho por aplicativo e teceu críticas ao modelo do Bolsa Família

Cristyan Costa

O céu era de brigadeiro e ventava fresco em Brasília quando Ives Gandra da Silva Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entrou na confortável antessala de seu gabinete, por volta de 14h40, para uma entrevista com a reportagem da Revista Oeste. Instantes depois de arrumar o blazer azul-marinho, Gandra fechou lentamente a porta do espaço de recepção, com as paredes tomadas por inúmeros retratos com familiares e várias autoridades, entre elas, o papa Francisco, além de diplomas e outras honrarias. O local abriga também artigos religiosos e alguns livros que destoam do Direito, entre eles, a trilogia O Senhor dos Anéis (obra pela qual é apaixonado) em versão capa dura e os três volumes de O Teatro Completo, de Shakespeare, que ficam em uma mesinha de madeira próxima de um enorme retrato do renomado maestro João Carlos Martins, um de seus tios.

Durante os primeiros minutos da conversa, agora na ampla sala principal, repleta de móveis de madeira escura com vista para o Lago Paranoá, Gandra elogiou a reforma trabalhista, aprovada durante o governo Temer. “Além de simplificar as relações entre empregado e empregador, ela promoveu boas mudanças para o país, ao regulamentar novas modalidades contratuais e tecnológicas, especialmente o fenômeno da terceirização”, constatou Filho, que foi presidente do TST entre 2016 e 2018, enquanto ajeitava a gravata azul-claro quadriculada. “De qualquer forma, embora alterações significativas tenham sido realizadas em 2017, penso ser necessário se discutir uma reforma trabalhista 2.”

O ministro do TST comentou ainda a regulamentação do trabalho por aplicativo, em evidência atualmente, e também teceu críticas às engrenagens do Bolsa Família, por entender que elas prejudicam o mercado de trabalho. “O modelo do Bolsa Família precisaria ser repensado, para garantir o sustento daqueles que estão desempregados, mas não como renda vitalícia substitutiva do emprego”, defendeu.

A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva que o ministro concedeu.

No Brasil, 54 milhões de pessoas recebem o Bolsa Família. Como isso impacta o mercado de trabalho?

De maneira preocupante. Se, por um lado, o aspecto positivo da benesse é atenuar a situação da camada mais carente da população, por outro, seu recebimento continuado por anos tem gerado distorções. Em vários Estados, há carência de mão de obra, pois muitas pessoas não querem trabalhar, pelo menos com carteira assinada, por receio de perderem o benefício social. Um dos setores mais afetados é a indústria, que não consegue se expandir. Recentemente, em uma entrevista, o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais reclamou do que chamou de “política populista”, que acomodou as pessoas a receberem a vantagem do Estado e não trabalharem. A mesma crítica ouvi do presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul, que tenta negociar com o governo federal uma forma de manter o Bolsa Família para o trabalhador, por um tempo, mesmo com a pessoa empregada formalmente, a fim de que ela se qualifique e, então, saia definitivamente do programa. Contava ele que, em seu Estado, a indústria de abate de bovinos e suínos poderia dobrar a produção, mas não encontra mão de obra, pois os potenciais empregados já estão satisfeitos com o que recebem de benefício social. No caso das empregadas domésticas, estas não aceitam a formalização do contrato, para não perderem a vantagem estatal. O modelo do “Bolsa Família” precisaria ser repensado, para garantir o sustento daqueles que estão desempregados, mas não como renda vitalícia substitutiva do emprego.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi criada em 1943 e a reforma trabalhista veio para modernizá-la, em 2017. Passados oito anos da vigência das mudanças, qual a avaliação do senhor sobre elas?

Muito positiva. Além de simplificar as relações entre empregado e empregador, ela promoveu boas mudanças para o país, ao regulamentar novas modalidades contratuais e tecnológicas, especialmente o fenômeno da terceirização. Destaco, entre tantas, a regulamentação do teletrabalho. Sem ela, não teria sido possível manter inúmeros empregos durante a pandemia de covid-19, por exemplo, em virtude do isolamento social. O grande mérito da reforma foi prestigiar a negociação coletiva direta entre sindicatos e empresas, afastando o paternalismo estatal, quer seja do Legislativo, incapaz de legislar com rapidez e acerto em relação a tão dinâmicas atividades em tão diferentes setores produtivos, quer seja do Judiciário, pródigo na concessão de vantagens não previstas em lei e que tornam as relações de trabalho juridicamente inseguras e economicamente inviáveis em muitos segmentos. Outro elemento de impacto da reforma foi a extinção do caráter obrigatório da contribuição sindical, por alimentar, sem nenhum retorno efetivo para trabalhadores de muitas categorias, uma estrutura sindical de mais de 17 mil sindicatos, quando, no restante do mundo, os países que mais sindicatos têm não chegam a 200 sindicatos. Com isso, apenas os sindicatos realmente voltados à defesa dos trabalhadores, e não de suas receitas sindicais, sobreviverão. Nossa Suprema Corte, que havia considerado constitucional a reforma nesse aspecto, veio a rever sua posição, sinalizando para a volta de uma contribuição obrigatória de toda a categoria. De qualquer forma, embora alterações significativas tenham sido realizadas em 2017, penso ser necessário se discutir uma reforma trabalhista 2.

Como seria essa “reforma trabalhista 2.0”?

O ideal seria uma CLT apenas com os direitos mínimos comuns a todos os trabalhadores de qualquer categoria. Quanto aos direitos e às condições especiais de trabalho, próprios de cada categoria, estes seriam objeto de negociação coletiva entre os sindicatos e as empresas de cada setor produtivo ou seus sindicatos patronais. Com o fortalecimento dos sindicatos pelo serviço efetivo prestado aos trabalhadores, teríamos também, como tenho sugerido para uma reforma legislativa, a representação sindical, em dissídios individuais, apenas dos associados do sindicato, estimulando a filiação sindical e aumentando sua fonte de receita, mantendo-se, no entanto, a representação de toda a categoria nos dissídios coletivos, em que se discutem reajuste salarial e estabelecimento de novas condições de trabalho. Numa “Reforma 2”, incluiria o reforço às comissões de conciliação prévia, para desafogar a Justiça do Trabalho; a readequação da cota de deficientes e aprendizes, que hoje supera em muito aqueles que as poderiam preencher; deixaria mais claro a não incorporação ao contrato de trabalho de liberalidades concedidas pelo empregador em tempos de vacas gordas, podendo ser suprimidas em período de vacas magras; proporia, inclusive, a redução da carga horária semanal para 40 horas, mas acabando com as jornadas especiais mais reduzidas previstas em lei, remetendo à negociação coletiva tais jornadas.

“Outro elemento de impacto da reforma foi a extinção do caráter obrigatório da contribuição sindical, por alimentar, sem nenhum retorno efetivo para trabalhadores de muitas categorias, uma estrutura sindical de mais de 17 mil sindicatos”, diz Ives Gandra Martins Filho

Entraria nessa nova reforma a questão dos trabalhadores em plataformas digitais? O próprio governo quer regulamentar o trabalho por aplicativo. Como o senhor avalia essa proposta?

Se for para assegurar a esses trabalhadores direitos previdenciários, vejo com bons olhos. Mas, se for para reconhecer vínculo empregatício e enquadrá-los na CLT, penso ser negativa. Na 4ª Turma do TST, que presido, temos entendido não haver relação de emprego entre o motorista que utiliza a plataforma do Uber para obter clientes, uma vez que não há subordinação à empresa, mera intermediadora com seus clientes, podendo ativar-se quando quiser e recusar corridas. Mas, como contribuinte autônomo da previdência, deixa, muitas vezes, de recolher as contribuições. Seria o caso de estabelecer, por lei, que as empresas já fizessem esse recolhimento, garantindo aos trabalhadores previdência e assistência social. O que não se pode é impor o vínculo, não querido pela maioria dos que trabalham nessa modalidade, pela flexibilidade que têm com o modelo de trabalho autônomo.

Fonte: https://revistaoeste.com/politica/ives-gandra-filho-penso-ser-necessario-se-discutir-uma-reforma-trabalhista-2/

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